Em vez de se aposentar, professora forma campeões de matemática

Com o mesmo salário a que teria direito em casa, Botelho continua a lecionar e tem cada vez mais premiados em Olimpíada de Matemática

Cinthia Rodrigues, enviada a Uberlândia 04/03/2012 07:00
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Desde que as Olimpíadas Brasileiras de Matemática para Escolas Públicas (Obmep) começaram, em 2005, a organização divulga quais são os professores com mais alunos premiados em todo o Brasil. A cada ano são cerca de 130 nomes. Quando a lista de 2011 foi divulgada, o iG procurou os listados em todas as sete edições e chegou a apenas três heptacampeões. Entre eles, uma professora que poderia estar aposentada, recebendo o mesmo salário em casa, mas todo ano assume novas classes - e nelas surgem campeões da competição.
Foto: Cinthia Rodrigues/iG
Maria Botelho e o ex-aluno Bruno Sá relembram resultados em Olimpíadas de Matemática
Maria Botelho Alves Pena, 51 anos, é professora da rede pública há 31 anos, os últimos 20 deles em Uberlândia, Minas Gerais. À façanha dela só se igualam Antonio Cardoso do Amaral, da pequena Cocal dos Alves, já conhecida por ser um fenômeno na Obmep, e José Luiz dos Santos, do Colégio Militar de Salvador.
Cada vez que a gente forma um medalhista, ele vai embora. Vão para a faculdade, às vezes para o exterior... Vão construir nosso futuro"
Mesmo neste seletíssimo grupo, uma desvantagem destaca a professora em relação aos demais hepta. Amaral acompanha os mesmos alunos do 6º ano ao ensino médio. Neste percurso, às vezes, um aluno é premiado várias vezes enquanto avança nos estudos e antes de se formar. José Luiz também tem o privilégio de trabalhar em uma instituição federal com alunos selecionados e recursos financeiros acima da média. A professora mineira atua em uma escola comum, a Messias Pedreiro, e com alunos dos últimos anos do ensino médio.
“Cada vez que a gente forma um medalhista, ele vai embora”, diz ela com um sorriso largo. “Vão para a faculdade, às vezes até para o exterior... Vão construir o nosso futuro”, explica orgulhosa.
Nas duas primeiras edições das olimpíadas ela trabalhava apenas com turmas de 3º ano. Em 2005, a escola teve 17 menções honrosas e um ouro. A medalha e a 14 menções vieram para alunos da Botelho, como é chamada por colegas e estudantes. Em 2006, foram 28 menções, um ouro e uma prata. De novo, medalhas e a maior parte dos premiados estudaram com ela.
Foto: Cinthia Rodrigues/iGAmpliar
Ficha da biblioteca de um dos alunos mostra que a pesquisa vai além da sala de aula
“Começaram a dizer que só dava para ganhar no terceiro ano, então eu peguei turma do segundo (ano do ensino médio) também”, conta. Logo, os premiados começaram a vir também desde o segundo ano. Agora, ela inscreve a escola inteira, alunos dela ou não, de todos os anos. “Alguém não quer participar?”, perguntou em uma sala de primeiro ano, na quinta-feira, após contar a história de sucesso da escola. Ninguém levantou a mão.
O que ela faz de diferente?
Perguntados sobre o que explicaria o desempenho da professora, seus alunos levantam hipóteses. “Ela adora o que faz, não para um segundo, está sempre cheia de livros e caixas. É até engraçado com aquele tamanho dela”, diz Steffn Borg, um dos premiados em 2009, se referindo ao 1,54 metro de altura da mestre.
Bruno Miranda de Sá, premiado com prata em 2010 e 2011, acha que é o incentivo a pesquisa. “Eu não sei se ela sabe mais que os outros professores, apesar dela saber muito, mas ela instiga a gente a se aprofundar. Traz sempre um exercício mais complicado para quem quiser evoluir no assunto”, diz.
O incentivo funciona. Cartões da biblioteca de ex-alunos mostram que a maioria dos livros emprestados são de matemática incluindo títulos como “Ensaios fundamentais”, “O romance das equações algébricas”, “A arte de resolver problemas” e “O último teorema de Fermat”. Alunos se reúnem fora do tempo de aula e até aos sábados para fazer exercícios extras.
Patrick Nunes Leite, de 16 anos, menção honrosa em 2011 e que agora está no último ano do ensino médio, acha que a professora se diferencia por dar importância a cada exercício ou dúvida. “Lembra aquela questão do Ita (Instituto de Tecnológico de Aeronáutica)?”, provoca.
Foto: Cinthia Rodrigues/iGAmpliar
Cerimônia de premiação dos destaques de 2011 na Obmep
Botelho conta a história: “Ele me aparece com questão de vestibular faltando cinco minutos para acabar a aula. Geralmente, quando são da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), eu nem ligo, porque conheço todas, mas era do Ita (Instituto Tecnológico da Aeronáutica). Eu ia dizendo ‘ai’ quando o sinal tocou. No final, consegui achar o problema logo e mandei a resposta para ele”, diz ela e o aluno completa: “Ela colocou no meu facebook em minutos, sendo que era algo totalmente fora da aula dela”, diz.
Motivação
Financeiramente, todo o trabalho de Botelho desde o ano passado é extra. Ela completou o tempo mínimo para aposentadoria, de 25 anos, em 2005. Na época, não podia se aposentar por não ter completado 50 anos de idade, o que ocorreu em 2010. "Eu tenho dois cargos de 24 horas cada. Me aposentei de um e outro mantenho para continuar lecionando. Por cada um, meu rendimento é exatamente o mesmo, R$ 1.500 cada", conta.
Basta uma visita à escola para entender que a motivação dela vai além do salário. Na última quinta-feira, ela, os colegas e a direção preparam uma festa para anunciar os 53 premiados de 2011 (1 medalha de prata, 5 bronzes e 47 menções honrosas). A maioria dos alunos, já está na Universidade Federal de Uberlândia, mas veio apenas para a celebração. "Aquele ali está fazendo engenharia, aquele também. Tem um que passou para engenharia, mas preferiu cursar matemática", vai apontando.
Foto: Cinthia Rodrigues/iGAmpliar
Raphael, menção honrosa e medalhista após ter sido reprovado antes de estudar com Botelho
Botelho também não sabe dizer o que faz de diferente. "É o feijão com arroz", chega a dizer. Para ela, o que forma os campeões é o mesmo que a mantém ali: o ambiente. "A turma vai pegando um gosto por estudar e vai procurando fazer mais, ir mais longe, isso afeta os demais", analisa.
Um exemplo que ela gosta de citar é o do ex-aluno Raphael Nunes Pacheco, que chegou a ser reprovado no segundo ano e era desinteressado pelos estudos. "Quando eu soube, peguei no pé dele. Um menino inteligente deste! Aí, falei para a turma: quero que vocês se encarreguem de acolhê-lo e puxá-lo para o grupo de vocês." Em 2010 ele recebeu uma menção honrosa e, em 2011, uma medalha de bronze.
"Você não pode gostar de nada que não entende", diz o ex-aluno que também voltou para a festa. "História e geografia ainda dá para você ir levando mais ou menos, mas a matemática precisa ser entendida inteira. O aluno só gosta depois que entende que um exercício complicado é útil e pode ser resolvido com fórmulas. Acho que essa beleza é que ela mostra para a gente."
Postado pelo professor Fernando

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