Gerações e gerações de brasileiros leram as principais obras de Liev Tolstói (1828-1910) e Fiódor Dostoiévski (1821-1881) em traduções de segunda mão, feitas a partir de versões publicadas em inglês ou em francês.
É um privilégio para os leitores atuais ter acesso às maiores obras desses autores em traduções fidedignas, feitas diretamente do russo, e editadas de maneira cuidadosa e regular.
A Editora 34 concentrou-se em Dostoiévski e publicou, nos últimos anos, traduções feitas por Paulo Bezerra de cinco importantes obras do escritor.
A Cosac Naify tem se dedicado a Tolstói, de quem lançou "Ressurreição", "Anna Karenina" e, agora, o oceânico "Guerra e Paz" --todos traduzidos pelo escritor Rubens Figueiredo.

Efe
Liev Tolstói
Liev Tolstói

Há duas outras principais traduções de "Guerra e Paz" (1869) no país: uma do crítico brasileiro Oscar Mendes e outra do escritor e ensaísta português João Gaspar Simões. Não se sabe ao certo que línguas serviram de fonte a eles, mas cogita-se que Mendes tenha trabalhado com uma versão francesa e Simões tenha feito um "mix" de diferentes traduções.
A tradução de Mendes é menos lida e apreciada pelos especialistas, ao passo que a de Simões é vista com alguma simpatia. "O texto de Simões é muito bom", diz Figueiredo, que leu "Guerra e Paz" pela primeira vez, aos 22 anos, nessa versão.
Para a professora da USP e escritora Aurora Fornoni Bernardini, tradutora do ucraniano Isaac Bábel (1894-1940) e da russa Marina Tsvetáieva (1894-1941), a "versão de Simões é gostosa de ler, mas não é fiel ao original".
Figueiredo pôde constatar essa infidelidade ao traduzir "Guerra e Paz", tarefa que o ocupou por três anos. "Mas este problema não é só de Simões: há tradutores, sejam eles de língua portuguesa, francesa ou inglesa, que simplesmente anulam opções de estilo muito peculiares de Tolstói", afirma.
FRANCÊS
Uma das alterações mais evidentes diz respeito ao uso da língua francesa no romance. Como a nobreza russa do século 19 havia adotado o francês como forma de distinção social, utilizando-o correntemente em conversas e cartas, Tolstói, desde o começo de "Guerra e Paz", usa este idioma com muita frequência -calcula-se que em cerca de 2% do livro.
"O uso das duas línguas tem um significado muito importante, não apenas porque as pessoas da alta sociedade falavam em francês, mas também porque a obra aborda um confronto entre a França e a Rússia", explica a professora Elena Vássina, do curso de russo de USP, especialista em Tolstói.
O livro narra a invasão da Rússia por Napoleão Bonaparte, que culminou na derrota francesa em 1812, e as consequências da guerra na vida da aristocracia do país.
Mendes e Simões aboliram o uso do francês na obra, vertendo todos os trechos nesta língua para o português. Figueiredo, por sua vez, preservou as partes em francês, traduzindo-as em notas de rodapé. "Foi uma solução perfeita", afirma Bernardini, que avalia a nova tradução como "muito boa".
Há sutilezas de Tolstói que costumam se perder em traduções, como chamar Napoleão ora de Bonaparte, ora de Buonaparte, recurso irônico que ressalta a origem do imperador, nascido na Córsega, e não na França, e descendente de italianos.
Outras alterações podem provocar erros de interpretação, como chamar de "guerra patriótica" (Simões) aquilo que Tolstói qualifica como "guerra popular" (contra Napoleão), na tradução de Figueiredo e Mendes.
REPETIÇÕES
Tradutores também costumam modificar o estilo do escritor, incomodados com os seus longos parágrafos, os períodos compridos e, sobretudo, as repetições de palavras -um dos aspectos mais controversos da linguagem tolstoiana.
O autor de "Guerra e Paz" faz da repetição de palavras um verdadeiro método de escrita. Observe, por exemplo, o uso da palavra "ponte" no trecho do "Tomo Um", reproduzido em quadro nesta página. Consideradas deselegantes ou impróprias, as palavras repetidas costumam ser trocadas por sinônimos pelos tradutores, em qualquer língua.
Segundo Vássina, um dos méritos da tradução de Figueiredo é ter preservado as repetições. "Elas dão o ritmo da prosa de Tolstói e têm a ver com a fala popular que está na origem da sua escrita."
Bernardini, entretanto, considera que tais repetições, que fazem sentido no original, podem ficar "pesadas" em português. "É preciso analisar com cuidado o uso das repetições de palavras. Em russo, elas podem ocorrer por uma questão de tom e de ritmo. Mas nem sempre funcionam assim em português, pois costumamos utilizar a repetição para enfatizar uma ideia", pondera.
Para o tradutor Paulo Bezerra, não se deve substituir as palavras do texto original, "mas traduzi-las na forma como o autor --a primeira instância criadora-- as concebeu". "A repetição de palavras faz parte de um estilo, modificá-las implica em desfigurar esse estilo", diz.
Figueiredo conta que precisou alertar a Cosac Naify sobre todas as particularidades do estilo de Tolstói, como a repetição de vocábulos, para evitar que ocorressem mudanças durante a edição.
Na opinião dele, existe um "protocolo abstrato e genérico" que define que um escritor não deve "escrever errado" ou repetir palavras.
"Algumas traduções acabam civilizando Tolstói. Ele queria contar a história do seu povo. Estava pouco ligando para própria literatura", afirma Figueiredo.

Postado pelo professor Fernando

Postagens mais visitadas deste blog

44- A Cabala judaica - Êxodo - Da obra OS SEGREDOS DE MOISÉS

SÍTIO ARQUEOLÓGICO DE SÃO RAIMUNDO NONATO-PI

O que é a Xenofobia? Diga não há qualquer tipo de preconceito!