Wood Allen - Ator e cineasta - Uma entrevista







"Falta-lhe coragem para sair de casamentos fracassados"

Um encontro com Woody Allen prova que os homens inseguros, neuróticos e pessimistas de seus filmes são mesmo versões de si mesmo. Mal o cineasta entra na suíte do Hotel Martinez, um cinco-estrelas às margens do Mar Mediterrâneo, em Cannes, já começa a reclamar. Primeiro, do calor que ele diz não suportar – e o deixa apreensivo em relação a filmar no Brasil. O rei da autoparódia também se mostra insatisfeito com o chuveiro do hotel, com as viagens e, claro, com a condição humana. “Há coisa pior do que já nascer condenado à morte?’’, pergunta o diretor de 75 anos. É justamente para se esquecer de tudo isso que Allen roda um filme por ano. São quase 50 títulos no currículo, completado agora com mais um, a comédia “Meia-Noite em Paris’’, em cartaz no País, no qual o seu alter ego é um roteirista em crise. Enquanto a noiva do escritor só pensa em futilidades, ele se distrai voltando no tempo, artifício que o permite conviver com intelectuais e artistas da Paris dos anos 1920. Gente como Ernest Hemingway, Salvador Dalí, Gertrude Stein e o casal Scott e Zelda Fitzgerald. “A magia me ajuda a não cair em depressão’’, diz o cineasta.


"Gosto mesmo é de dias cinzentos. Diversão para mim
é assistir a um jogo pela televisão e tomar cerveja"


"Perguntei a Carla Bruni se ela nunca tinha pensado em fazer um filme.
Ela disse que gostaria, que seria divertido mostrar um dia aos netos"



Istoé -

O sr. vai mesmo fazer um filme no Rio de Janeiro?


Woody Allen - Estamos conversando com várias pessoas no Brasil sobre a possibilidade de rodar no Rio. Não há nada acertado ainda, mas estamos pensando seriamente no assunto. A minha irmã (Letty Aronson), que produz os meus filmes, já viajou ao Brasil e passeou pelo Rio para sentir a cidade.
Istoé -

Acha que gostará do Brasil?


Woody Allen - Como nunca visitei o País, é difícil dizer. Teria de viajar primeiro ao Rio para ver como me sinto. Para ser sincero, nem sei se gosto muito da ideia de filmar lá.
Istoé -

Por quê?


Woody Allen - Como não suporto calor, será complicado me acostumar ao clima de um país tropical. Cannes na primavera já é quente demais. O que eu gosto mesmo é de dia cinzento. Não foi por acaso que filmei “Meia-Noite em Paris’’ em dias de chuva. Se o projeto do Rio vingar, vou passar uma temporada na cidade em busca de inspiração. Quero escrever um roteiro que capture um pouco a alma do Rio, assim como fiz agora com Paris e como vou fazer com Roma no meu próximo filme (“Bop Decameron’’, cujas filmagens se iniciam em julho).
Istoé -

O sr. já citou o Brasil em alguns de seus filmes.


Woody Allen - Você se refere a “Dirigindo no Escuro”? Quando escrevia aquele roteiro, queria dar um desfecho bacana a uma personagem feminina que sumiria da história. E a solução foi casá-la, apenas numa citação, com um brasileiro rico e bonito. Fiz isso porque as mulheres americanas gostam de homens brasileiros.
Istoé -

Como surgiu a ideia de escalar Carla Bruni para "Meia-Noite em Paris"?


Woody Allen - Num brunch em que eu e minha esposa conhecemos Carla e Sarkozy, há quase dois anos. Como ela me impressionou pela beleza e pelo charme, perguntei se nunca tinha pensado em fazer um filme. Nem que fosse uma participação. E ela disse que gostaria, que um dia seria divertido mostrar um filme aos seus netos.
Istoé -

O presidente Nicolas Sarkozy visitou o set?


Woody Allen - Sim. E ele achou que Carla estava ótima, que tinha talento natural como atriz. Ela fez tudo direitinho mesmo, tornando toda a experiência muito agradável.
Istoé -

Como mantém a energia para rodar um filme atrás do outro?


Woody Allen - Dou a impressão de estar sempre ocupado, mas não estou. No período de um ano, tenho tempo suficiente para fazer um filme, o que inclui escrever, escolher os atores, filmar e editar. E ainda me sobra tempo para o resto.
Istoé -

O que é o resto?


Woody Allen - Gosto de tocar jazz com a minha banda, sair em turnê, brincar com as minhas filhas, levá-las à escola, fazer os meus exercícios físicos, ver jogos de basquete, ver filmes e fazer caminhadas. A verdade é que não trabalho muito duro.
Istoé -

Mas pela sua idade...


Woody Allen - Já poderia estar aposentado, é verdade. Mas prefiro trabalhar para não pensar em bobagem. Filmar é uma terapia para mim. Do contrário, enlouqueceria. Ainda assim, trabalho muito menos que um professor, um médico ou um taxista. Não tenho de estar num lugar específico, não preciso trabalhar obrigatoriamente todos os dias e não tenho horário para cumprir. Quando penso nisso, acho que levo uma vida até preguiçosa.
Istoé -

Qual é a sua rotina?


Woody Allen - Gosto de acordar bem cedo, às 6h30 da manhã, para levar as crianças à escola, voltar para casa e já começar a escrever. Ao meio-dia, já terminei, o que me sobra tempo para tocar a minha clarineta e ainda ir a algum museu com a minha mulher (Soon-Yi Previn).
Istoé -

Como se sente ao quebrar a rotina com viagens para festivais e filmagens?


Woody Allen - Péssimo! O problema é que a minha família adora as viagens. Então eu fico dividido. Eles adoram conhecer novos lugares. Já que eu não aproveito muito, pelo menos eles aproveitam. Para eles, isso é sinônimo de férias. Eles adoram passar meses num hotel bacana.
Istoé -

O sr. não?


Woody Allen - De jeito nenhum. Eu sempre prefiro estar em Nova York. Na minha casa, tenho tudo o que eu preciso. E tudo está no lugar certo.
Istoé -

O quê, por exemplo?


Woody Allen - Tenho o ar-condicionado já regulado na temperatura que eu gosto. O chuveiro também é um problema no hotel.
Istoé -

Como o chuveiro pode ser um problema num hotel cinco-estrelas?



Woody Allen - Não importa quantas estrelas tenha o hotel, sempre preciso mexer no chuveiro para ele sair com a quantidade de água que eu gosto e a água cair na direção que eu quero.
Istoé -

Do que mais sente falta quando não está em Nova York?


Woody Allen - Fico triste por perder os jogos da temporada de beisebol, no verão. Também sinto falta da minha clarineta. Outra vantagem de estar em casa é que eu sempre sei onde estão todos os meus remédios. Num hotel, nunca sei direito onde os coloquei.
Istoé -

O sr. é hipocondríaco?



Woody Allen - Não sou. Mas admito sempre imaginar o pior quando se trata de uma doença. Sou assim com tudo. Quando viajo, também penso em tudo o que pode dar errado. E penso muito na morte também. Mais do que deveria.
Istoé -

Em “Meia-Noite em Paris”, o personagem de Ernest Hemingway diz que o verdadeiro amor faz o homem esquecer a morte. Não concorda?



Woody Allen - Não. Eu me identifico mais com o pensamento de Edith Wharton, que dizia que a morte é como o som de um trovão distante num dia de piquenique. É assim que eu me sinto.
Istoé -

Mesmo nos melhores momentos?


Woody Allen - Sim. A morte está sempre lá, mesmo quando você está muito feliz. Seja porque sua filha vai se casar, ou você ganhou na loteria ou conheceu a pessoa dos seus sonhos. Ela não desaparece.

Istoé -

Hemingway também diz no filme que só quem tem medo da morte consegue escrever algo brilhante...



Woody Allen - Aqui eu concordo. Mas não me encaixo nessa teoria. A minha covardia e a minha timidez sempre me atrapalharam muito. Penso que a minha vida seria melhor e os meus filmes seriam melhores se eu fosse mais corajoso e menos inseguro.

Istoé -

Como o protagonista do filme, o sr. já manteve um casamento com a pessoa errada só para não ficar sozinho?



Woody Allen - Eu e uma parcela enorme da população. Acho que está na natureza humana manter relacionamentos fracassados por muitos anos. Pela minha experiência de vida, muitas pessoas se contentam com um casamento feliz por apenas 20% do tempo e infeliz no tempo que sobra.

Istoé -

Ser um pouquinho feliz é melhor do que nada?



Woody Allen - É por aí. Se sempre fosse possível trocar um relacionamento por outro, como num passe de mágica, aposto que a maioria das pessoas o faria sem pestanejar. O problema é que é preciso passar pelo rompimento, pela solidão e ainda esperar um tempo até conhecer alguém novo.

Istoé -

Está satisfeito com o rumo que a sua vida pessoal tomou?



Woody Allen - Sim. Hoje sou um típico pai de família. Eu não serviria para a vida boêmia. Não conseguiria passar a noite inteira bebendo num bar, na companhia de amigos intelectuais e de mulheres bonitas. Sou muito classe média nesse sentido. Vivo rodeado de corretores da bolsa de valores e de banqueiros, que são meus vizinhos. Diversão para mim é colocar uma camiseta e assistir a um jogo pela televisão, bebendo cerveja.

Istoé -

É verdade que sua grande frustração é não ter seguido a carreira musical?



Woody Allen - Sim, trocaria tudo por um talento musical. Mas nunca dei para a coisa. Queria ter sido um grande músico, como Louis Armstrong, que sempre admirei profundamente.

Istoé -

Chegou a conhecê-lo?


Woody Allen - Tive a oportunidade, mas preferi não.

Istoé -

Por quê?



Woody Allen - Porque foi uma decepção conhecer outro ídolo, Groucho Marx. Sempre o idolatrei pelo seu humor. O problema é que ninguém corresponde às nossas expectativas. Quando nós dois jantamos juntos, por mais que eu não parasse de repetir para mim mesmo “você está jantando com Groucho Marx’’, ele parecia um tio judeu como outro qualquer.
Istoé -

Ele pareceu comum demais?



Woody Allen - Groucho simplesmente foi humano demais. Ele me lembrou várias pessoas da minha família. Toda família tem um tio que gosta de contar piadas, não tem? Algumas são engraçadas, outras não. E isso não me agradou. Preferia o Groucho que eu tinha na minha cabeça. Para piorar, ele não estava usando o bigode da sua famosa caracterização.

Istoé -

O sr. é muito nostálgico?



Woody Allen - A nostalgia é algo muito tentador e prazeroso para mim. O problema é que tenho a tendência de só lembrar o que era bom. Quando penso na minha infância, adoro recordar os meus sete anos. Costumava tomar sorvete com uma prima minha, muito bonita. Tudo parecia tão lindo. Mas, quando penso mais profundamente, foi uma época terrível. Eu não gostava da escola e ainda apanhava dos pais. Sem falar na Segunda Guerra Mundial.

Istoé -

O que ainda quer da vida?



Woody Allen - O que quero, obviamente, não é possível. Queria que o homem nascesse já sabendo o motivo. E queria que ele não envelhecesse após um certo período. Não queria que ninguém ficasse doente ou morresse. A condição humana é trágica demais para o meu gosto.

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