Especialistas falam sobre a obra de Carybé e o seu valor no mercado
PROFESSOR FERNANDO
Um artista, para ser considerado grande, precisa ter uma
marca própria, um estilo, uma ‘assinatura’. Você não precisa aguardar os
créditos aparecerem para identificar um filme de Tarantino ou de Woody Allen.
Da mesma maneira, não vai precisar de mais de uma ou duas páginas para
reconhecer um texto de Machado de Assis. Três ou quatro frases de um personagem
logo revelarão que Shakespeare é o autor de uma peça.
Da mesma maneira, num rápido olhar, alguém que conheça
minimamente a obra de Carybé (1911-1997) será capaz de identificar uma criação
dele, graças, principalmente, à simplicidade de seus traços. “Era um grande
artista, completo, multimídia, que dominava diversas técnicas. Mas destaco
especialmente sua qualidade como desenhista. Ele tinha a capacidade de, em dois
ou três traços, insinuar, por exemplo, o corpo de uma mulher”, diz Cesar
Romero, baiano, 63, artista plástico e crítico de arte do CORREIO.
A também crítica de arte baiana Matilde Matos, 86, ressalta
que os traços de Carybé eram capazes de reproduzir a baianidade de uma maneira
muito simples. “Ele fazia o baiano como o baiano é”, resume Matilde.
Síntese
O artista plástico baiano Juarez Paraíso, 79, faz uma
ressalva: “Carybé tinha a simplicidade dos artistas primitivos. O que ele
possuía era um poder incrível de síntese. Isso, no entanto, é muito diferente
de simplificação. Ele eliminava o supérfluo”. Essa síntese o colocava em
oposição a outras escolas, como a arte acadêmica realista.
Ramiro Bernabó, em seu ateliê. O filho de Carybé, escultor,
revela que não tem talento para desenhar, ao contrário do pai (Foto: Marina
Silva)
Os orixás, da maneira como apareciam nas criações de Carybé,
assim como outros elementos da cultura africana, são exemplos dessa síntese. E
mais: por frequentar terreiros de candomblé, especialmente o Ilê Axé Opô
Afonjá, foi capaz de retratar com realismo o universo da religião de origem
africana.
Embora retratasse com realismo, Carybé desfrutava de
liberdade criativa, segundo Juarez: “Ele tinha uma sintaxe própria, sem
paralelos, uma característica da modernidade, marcada pela liberdade individual
na criação”.
Ramiro Bernabó, baiano, 67, filho de Carybé e artista
plástico, ressalta as características figurativas das criações do pai: “Ele
sempre privilegiou as figuras humanas, ao contrário do que acontece no
abstracionismo”. Ramiro observa que homens e mulheres quase sempre aparecem
sem olhos ou nariz nas criações de Carybé: “Nesse aspecto, ele se parece
com o italiano Alberto Giacometti, que mostrava as figuras humanas sem os
detalhes e pareciam ser vistas de longe”.
Um toque de surrealismo: O acrílico sobre tela A Conjura
mostra personagens transfigurados em peixes, aves, bois e cavalos, o que faz
lembrar o realismo fantástico latino-americano, como nos livros de Gabriel
García Márquez (1927-2014): “Forma, linha e cor estão a serviço da imagética”,
diz Cesar Romero.
Sobre as figuras humanas de Carybé, Ramiro faz ainda outra
observação: elas são esbeltas, longilíneas, ao contrário, por exemplo, do
colombiano Fernando Botero, marcado pelas suas gordinhas.
Ramiro chama a atenção para o método do pai, que sempre
desenhava nas telas antes de pintar os quadros: “Apesar de seu traço simples,
ele não era chegado a improvisos”, lembra.
Simplicidade além dos desenho: a escultura Maria Baiana,
em frente ao Shopping Iguatemi, também demonstra a
simplicidade dos traços do mestre Carybé
Mercado
Mas não são apenas os críticos de arte e os artistas
plásticos que admiravam a síntese de Carybé. Os colecionadores também são
atraídos pela técnica do “baiano nascido na Argentina”, como ressalta o
galerista baiano Paulo Darzé, 60 anos: “Tanto a técnica como o conteúdo das
criações de Carybé valorizam suas obras”. Proprietário da galeria que leva seu
nome, Darzé revela que tem aproximadamente 30 peças do artista para venda,
entre desenhos e pinturas.
Mas é principalmente a temática baiana, com influências africanas,
que eleva o valor das obras, segundo o galerista. Há poucos dias, vendeu um
quadro de Carybé, de 70 cm x 50 cm, por R$ 200 mil.
Esse é o preço médio das telas dessa dimensão. Mas os
quadros de grande formato, de mais ou menos 2m x 1,6m, podem alcançar
entre R$ 900 mil e R$ 1 milhão.
Para os que procuram algo mais acessível, há as opções de
gravuras ou desenhos. As primeiras ficam em torno de R$ 2,5 mil e têm uma
tiragem média de 100 unidades reproduzidas. Já os desenhos ficam por R$ 6
mil a R$ 7 mil, segundo Darzé, que atua no mercado de arte há 31 anos.
O galerista observa que as obras de Carybé que não tratam da
Bahia têm um valor de mercado bem inferior, sendo desvalorizadas em até 50% em
relação às de temática baiana.
As cores tropicais: o colorido de Carybé era marcadamente
tropical e a luz de seus desenhos era claramente influenciada pela iluminação
de Salvador e dos países andinos por onde o artista passou
Essa primeiras criações, em que Carybé revelava influências de
artistas mexicanos como Rivera (1986-1957) e Siqueiros (1896-1974), ainda não
revelavam um artista autêntico, dono de um traço característico. Talvez isso
explique essa desvalorização.
“É natural que um artista, no começo, tente imitar aqueles
que admira. Depois, vai adquirindo sua identidade. Comigo também foi assim”,
assume Ramiro, que é escultor.
Mas garante que não herdou do pai a habilidade para o
desenho, embora isso não tenha prejudicado suas criações.
“Mas acredito que a arte moderna permite que, mesmo quem não
sabe desenhar, possa ser um grande artista”, diz Ramiro. Embora não tenha
herdado do pai a habilidade para o desenho, acha que carrega uma herança dele:
“Com Carybé, eu ia a lugares que o inspiraram, como as praias e as feiras
populares de Salvador. Então, como ele, acho que carrego uma ‘poética’ nas
minhas obras de arte”.
Carybé desenhou os storyboards de O Cangaceiro
As virtudes de Carybé como desenhista o levaram ao cinema.
E, quem diria, ele até apareceu nas telas no clássico O Cangaceiro (1953),
dirigido por Lima Barreto (1906-1982) e com diálogos da escritora Rachel de
Queiroz (1910-2003).
O artista plástico desenhou mais de 1,6 mil figuras para o
storyboard (imagens arrumadas em sequência, como uma história em quadrinhos, em
que se pré-visualiza o filme) da produção. “Praticamente todos os planos usados
no longa-metragem foram antecipados em seus desenhos”, diz Solange Bernabó,
filha de Carybé.
De quebra, além dos desenhos, o artista plástico participou
como figurante, atuando como membro de uma volante, os grupos de policiais
disfarçados de cangaceiros, que muitas vezes eram mais brutais que os próprios
cangaceiros.
A inserção de Carybé nas artes visuais não para aí: “Na
novela Gabriela (1975), ele fez o desenho dos figurinos, e de trajes de vários
personagens. Em suas figuras, mostrava também coisas típicas da região, como
bumba meu boi, e as baianas”, diz Solange.
Mais tarde, faria também figurino e cenário para a montagem
do balé Gabriela, encenado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Depois, fez
o mesmo trabalho para três óperas: Lídia de Oxum, Il Trovatore e La
Bohème.
arte pela arte
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