João Cabral de Mello Neto - Literatura Regional Brasileira
João Cabral de Melo Neto
Nasceu em Recife (PE) em 1920. Ingressou na carreira diplomática aos 25 anos, exercendo sua
profissão em diversos países, por mais de quarenta anos. Aposentado, reside atualmente no Rio de Janeiro. A cultura espanhola, que o poeta conheceu a fundo quando viveu em Barcelona e Sevilha, deixou muitas marcas na poesia de João Cabral. O escritor faz parte da Academia Brasileira de Letras desde 1968.
Em 1994, a editora Nova Aguilar publicou em volume único a obra completa do escritor, João Cabral de Melo Neto inaugurou um novo modo de fazer poesia em nossa literatura. A essência de sua atividade poética mostra a tentativa de desvendar os elementos concretos da realidade, que se apresentam como um desafio para a inteligência do poeta. Sempre guiado pela lógica, pelo raciocínio, seus poemas evitam análise e exposição do eu e voltam-se para o universo dos objetos, das paisagens, dos fatos sociais, jamais apelando para o sentimentalismo. Por isso, o prazer estético que sua poesia pode provocar deriva sobretudo de uma leitura racional, analítica, não do envolvimento emocional com o texto.
Essas características levaram a crítica a ver na obra de João Cabral uma "ruptura com o lirismo" ou a considerar sua expressão poética como "antilírica". Não devemos, entretanto, supor que essa relação do poeta com o mundo concreto, objetivo, produza apenas textos descritivos. Na verdade, suas descrições ora acabam adquirindo valor simbólico, ora acabam denunciando a crítica social que o poeta pretende levar a efeito.
Pedra do sono, seu primeiro livro, apresenta elementos do surrealismo, a começar pelo título (sono). Segundo o próprio poeta, o que se pretendeu nesse livro foi "compor um buquê de imagens em cada poema,- as imagens revelam matéria surrealista no sentido de oníricas, subconscientes... " . O sono e o sonho são temas freqüentes e importantes nessa obra. O próprio autor considera sua primeira obra como "um livro falso", cujo rendimento artístico não o satisfez.
O engenheiro, embora inclua ainda poemas de caráter surrealista, traz já as bases de sua nova concepção de poesia, segundo a qual o poema deve resultar de uma atitude racionalista, objetiva, diante da realidade concreta. Uma atitude de quem controla racionalmente as emoções.
Psicologia da composição mostra o amadurecimento daquele conceito de poesia rascunhado no livro anterior. O poeta rejeita - em poemas de caráter metalingüístico - a inspiração e assume, não sem hesitar, a objetividade diante do ato de escrever. Por isso, o livro apresenta poemas com uma linguagem racional, lógica, marcados pelo extremo cuidado formal. Muitas vezes sente-se o poeta questionando a validade do próprio ato de escrever.
Os livros seguintes - O cão sem plumas, O rio e Morte e vida severina - mostram um poeta mais diretamente voltado para a temática social, analisando a realidade geográfica, humana e social do Nordeste.
Morte e vida severina, sua obra mais conhecida, é um poema narrativo subintitulado auto de Natal pernambucano, que trata da caminhada de um retirante - Severino - do sertão até a zona litorânea, em busca de condições para sobreviver à seca. A semelhança com um auto natalino ocorre no final, quando, ao presenciar o nascimento de uma criança, o retirante renuncia à intenção de matar-se.
Paisagem com figuras traça paralelos entre duas terras que o poeta conhece bem: a Espanha e Pernambuco.
O Auto do frade tem como assunto o dia da morte do rebelde frei Caneca.
Agrestes é uma coletânea de poemas de temas diversos. Eis um poema desse livro:
O luto no Sertão
Pelo sertão não se tem como
não se viver sempre enlutado;
lá o luto não é de vestir,
é de nascer com, luto nato.
Sobe de dentro, tinge a pele
de um fosco fulo: é quase raça;
luto levado toda a vida
e que a vida empoeira e desgasta.
E mesmo o urubu que ali exerce,
negro tão puro noutras praças,
quando no sertão usa a batina
negra-fouveiro, pardavasca.
Obra
Pedra do sono (1942); O engenheiro (1945); Psicologia da composição (1947); O cão sem plumas (1950); O no (1954); Morte e vida severina (1956); Paisagem com figuras (1956), Uma faca só lâmina (1956); A educação pela pedra (1966); Museu de tudo (1975); Auto do frade (1984); Agrestes (1985); Crime na Calle Relator (1987).