Maquiavel
Mais de quatro séculos nos separam da época em que viveu Maquiavel. Muitos leram e comentaram sua obra, mas um número consideravelmente maior de pessoas evoca seu nome ou pelo menos os termos que aí tem sua origem. "Maquiavélico e maquiavelismo" são adjetivo e substantivo que estão tanto no discurso erudito, no debate político, quanto na fala do dia-a-dia. Seu uso extrapola o mundo da política e habita sem nenhuma cerimônia o universo das relações privadas. Em qualquer de suas acepções , porém , o maquiavelismo está associado a idéia de perfídia , a um procedimento astucioso, velhaco, traiçoeiro. Estas expressões pejorativas sobreviveram de certa forma incólumes no tempo e no espaço, apenas alastrando-se da luta política para as desavenças do cotidiano."
Assim , hoje em dia , na maioria das vezes, Maquiavel é mal interpretado. Maquiavel, ao escrever sua principal obra, O PRÍNCIPE, criou um "manual da política", que pode ser interpretado de muitas maneiras diferentes. Talvez por isso sua frase mais famosa: -"Os fins justificam os meios"- seja tão mal interpretada. Mas para entender Maquiavel em seu real contexto, é necessário conhecer o período histórico em que viveu. É exatamente isso que vamos fazer.
Na Itália do Renascimento reina grande confusão. A tirania impera em pequenos principados, governados despoticamente por casas reinantes sem tradição dinástica ou de direitos contestáveis. A ilegitimidade do poder gera situações de crise instabilidade permanente, onde somente o cálculo político, a astúcia e a ação rápida e fulminante contra os adversários são capazes de manter o príncipe. Esmagar ou reduzir à impotência a oposição interna, atemorizar os súditos para evitar a subversão e realizar alianças com outros principados constituem o eixo da administração. Como o poder se funda exclusivamente em atos de força, é previsível e natural que pela força seja deslocado, deste para aquele senhor. Nem a religião nem a tradição, nem a vontade popular legitimaram e ele tem de contar exclusivamente com sua energia criadora. A ausência de um Estado central e a extrema multipolarização do poder criam um vazio, que as mais fortes individualidades têm capacidade para ocupar.
Até 1494, graças aos esforços de Lourenço, o Magnífico, a península experimentou uma certa tranqüilidade.
Entretanto, desse ano em diante, as coisas mudaram muito. A desordem e a instabilidade ficaram incontroláveis. Para piorar a situação, que já estava grave devido aos conflitos internos entre os principados, somaram-se as constantes e desestruturadoras invasões dos países próximos como a França e a Espanha. E foi nesse cenário conturbado, onde nenhum governante conseguia se manter no poder por um período superior a dois meses, que Maquiavel passou a sua infância e adolescência.
Biobibliografia:
Maquiavel nasceu em Florença em 3 de maio de 1469, numa Itália "esplendorosa mas infeliz", segundo o historiador Garin. Sua família não mera aristocrática nem rica. Seu pai , advogado como um típico renascentista, era um estudioso das humanidades, tendo se empenhado em transmitir uma aprimorada educação clássica para seu filho. Maquiavel com 12 anos, já escrevia no melhor estilo e, em latim.
Mas apesar do brilhantismo precoce, só em 1498, com 29 anos Maquiavel exerce seu primeiro cargo na vida pública. Foi nesse ano que Nicolau passou a ocupar a segunda chancelaria. Isso se deu após a deposição de Savonarola, acompanhado de todos os detentores de cargos importantes da república florentina. Nessa atividade, cumpriu uma série de missões, tanto fora da Itália como internamente, destacando-se sua diligência em instituir uma milícia nacional.
Com a queda de soverine, em 1512, a dinastia Médici volta ao poder, desesperando Maquiavel, que é envolvido em uma conspiração, torturado e deportado. É permitido que se mude para São Cassiano, cidade pequena próxima de Florença, onde escreve sobre a Primeira década de Tito Lívio , mas interrompe esse trabalho para escrever sua obra prima: O Príncipe , segundo alguns , destinado a que se reabilitasse com os aristocratas, já que a obra era nada mais que um manual da política.
Maquiavel viveu uma vida tranqüila em S. Cassiano. Pela manhã, ocupava-se com a administração da pequena propriedade onde está confinado. À tarde, jogava cartas numa hospedaria com pessoas simples do povoado. E à noite vestia roupas de cerimônia para conviver, através da leitura com pessoas ilustres do passado, fato que levou algumas pessoas a considerá-lo louco.
A obra de Maquiavel é toda fundamentada em sua própria experiência, seja ela com os livros dos grandes escritores que o antecederam, ou sejam os anos como segundo chanceler, ou até mesmo a sua capacidade de olhar de fora e analisar o complicado governo do qual terminou fazendo parte.
Enfim, em 1527, com a queda dos Médici e a restauração da república, Maquiavel que achava estarem findos os seus problemas, viu-se identificado por jovens republicanos como alguém que tinha ligações com os tiranos depostos. Então viu-se vencido. Esgotaram-se suas forças. Foi a gota d’água que estava faltando. A república considerou-o seu inimigo. Desgostoso, adoece e morre em junho.
Mas nem depois de morto, Maquiavel terá descanso. Foi posto no Index pelo concílio de Trento, o que levou-o, desde então a ser objeto de excreção dos moralistas.